tô de casa nova, tudo daqui foi pralá.
entra pra tomar café. E ver mais coisa que tem por lá...
www.giradodelirio.com
sábado, 7 de agosto de 2010
terça-feira, 27 de abril de 2010
sangue novo brotando
Alguma coisa exige mais fé do que um salto de fé sem fé?
Ela não se imaginava, assim, pendurada, se fosse pensar pouco tempo atrás. Andava entre planícies colhendo maçãs, mordia as mais doces pra justificar o trabalho. Andava no plano. Num mundo plano e extenso, tal qual os mapas antigos, os que terminavam no abismo.
Agora, era ele. Era ela, o abismo. De frente pra ele ela estava, surpresa que ficou da planície ter fim. Recém-chegada nas bordas, pensou em dar meia-volta e percorrer novamente todo o mundo plano cruzando as duas metades. Mas uma vez que se vê o fim, já não tem volta. Então ela se jogou. E para sua surpresa, ao invés do vazio infinito, percebeu-se num poço sem fundo.
Ela não se imaginava, assim, pendurada, se fosse pensar pouco tempo atrás. Andava entre planícies colhendo maçãs, mordia as mais doces pra justificar o trabalho. Andava no plano. Num mundo plano e extenso, tal qual os mapas antigos, os que terminavam no abismo.
Agora, era ele. Era ela, o abismo. De frente pra ele ela estava, surpresa que ficou da planície ter fim. Recém-chegada nas bordas, pensou em dar meia-volta e percorrer novamente todo o mundo plano cruzando as duas metades. Mas uma vez que se vê o fim, já não tem volta. Então ela se jogou. E para sua surpresa, ao invés do vazio infinito, percebeu-se num poço sem fundo.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
7 dias pra não ser mais outra
estou a esse tempo de encerrar tudo
estou sem tempo
estou fora do meu tempo
estou a tempo de mudar
estou sendo outra. Agora quero ser eu, mesmo sabendo que eu é ilusão.
pelo menos quero uma ilusão menos ilusória, com mais gosto de verdade.
será que vou conseguir deixar de ser outra coisa que não seja eu?
E os outros?
e as dúvidas eternas?
e as cobranças?
e?
passei um ano sendo algo que julguei necessário para que no futuro eu possa ser melhor
quero virar este ano virando o jogo
sendo algo melhor porque é mais necessário
21/12. Data palíndromo, data limite. Que eu seja, enfim.
estou sem tempo
estou fora do meu tempo
estou a tempo de mudar
estou sendo outra. Agora quero ser eu, mesmo sabendo que eu é ilusão.
pelo menos quero uma ilusão menos ilusória, com mais gosto de verdade.
será que vou conseguir deixar de ser outra coisa que não seja eu?
E os outros?
e as dúvidas eternas?
e as cobranças?
e?
passei um ano sendo algo que julguei necessário para que no futuro eu possa ser melhor
quero virar este ano virando o jogo
sendo algo melhor porque é mais necessário
21/12. Data palíndromo, data limite. Que eu seja, enfim.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
roteiro que eu fiz pra Kika
Outro dia, a Kika Nicolela (http://www.dilemastudio.com/) chegou com um pedido de roteiro, de uma cena, pra um video dela.
Fiquei honrada e feliz, pq ela tá cada vez melhor no trabalho e nossa parceria é uma delícia.
Nem vou falar muito, melhor é ler. Talvez nem fique assim, porque ainda pode mudar. Mas deu vontade de já publicar coisa nova.
DE CHOCOLATE
CENA ÚNICA – INT/DIA – COPA/COZINHA
HOMEM e MULHER estão sentados em uma mesa, sobre a qual há um grande bolo de chocolate, intocado. A mesa está posta, mas eles aparentemente não estão com fome.
De um lado da mesa, também há várias peças, parafusos e ferramentas, do outro, vários frascos de esmalte quase idênticos.
Ela pinta as unhas do pé com esmalte vermelho. Ele conserta um rádio-relógio.
Ficam um tempo em silêncio. Ela cheira o bolo de chocolate.
MULHER
Vai estragar
HOMEM
Acho que já tá estragado
MULHER
Já tem mais de uma semana
HOMEM
Tá estragado, mas tem jeito
MULHER
Quando azeda, já não dá mais.
Ele acha estranho o comentário, mas segue fazendo o que fazia
HOMEM
Estou tentando arrumar.
MULHER
Bom, era seu mesmo...
Ele começa a fazer uma sujeira enquanto conserta, deixa cair tudo na mesa. Ela coloca também o outro pé sobre ela, e começa a olhar para o esmalte nos dedos. Estão aparentemente iguais. Pega dois frascos e compara a cor.
HOMEM
Eu prefiro quente
MULHER
Todos os tons são quentes
HOMEM
O bolo de chocolate
Ele levanta-se, pega um prato, corta um pedaço do bolo e coloca no microondas. Ela pega, com os dedos, um pouco da cobertura e leva à boca.
HOMEM
Ainda tem jeito?
MULHER
Ainda não estragou.
HOMEM
E o gosto, ainda é bom?
MULHER
Eu acho.
Ele vai até ela. Toca seu ombro. Ela pega a mão dele e passa na cobertura do bolo .
HOMEM
Tá suja!
MULHER
Não me incomoda.
HOMEM
Tá fria.
MULHER
Também é bom.
Ele vai em direção à pia e lava as mãos. Ela pega dois frascos de esmalte e vai até perto dele. Coloca os dois frascos contra a luz.
MULHER
Qual você prefere?
HOMEM
Assim não dá pra ver.
Ele volta à mesa, recomeça a consertar o rádio-relógio. Ela vai em direção ao forno de microondas, fica olhando pra ele. O forno reflete a janela e parte do seu rosto. Ela pinta um canto da boca com uma cor, outro canto com outra. Volta à mesa, olhando para o HOMEM.
MULHER
Qual você prefere?
HOMEM
Não faz isso!
MULHER
Te incomoda?
HOMEM
Estraga a pele
MULHER
Te incomoda?
HOMEM
Olha, vai estragar.
Ela retira o bolo do microondas.
MULHER
Não tá estragado.
HOMEM
Passou do ponto.
MULHER
Não me incomoda.
Ela limpa os cantos da boca, parte um pedaço do bolo e come. Ele segue parafusando o rádio.
MULHER
Te incomoda tanto assim?
Ele continua olhando pro rádio, aparentemente concentrado. Ela pega a acetona e começa, violentamente, a tirar o esmalte de um dos pés.
MULHER
Eu não sei por que fazem cores tão parecidas. Deviam fazer só as óbvias: vermelho, azul, verde, chocolate. Mas não. Tem trinta e sete tons de vermelho. E eu fico com essa necessidade dilacerante de decidir entre as trinta e sete coisas praticamente iguais! Praticamente iguais. Praticamente iguais.
Ele levanta os olhos do rádio relógio. Olha pros frascos praticamente iguais sobre a mesa, entre eles, um no tom chocolate.
Ele pega o frasco, vai até ela, pinta uma de suas unhas da mão.
HOMEM
Gostou do chocolate?
MULHER
Passou do ponto. Tá estragado.
Ela joga o bolo no lixo. Ele volta a desparafusar o rádio-relógio. Ela respira fundo, senta-se à mesa, pega um dos frascos vermelhos e começa a pintar as unhas dos pés.
Ficam um tempo em silêncio. Ela cheira o bolo de chocolate.
MULHER
É uma pena. Vai estragar.
A cena segue igual, em looping.
FIM
Fiquei honrada e feliz, pq ela tá cada vez melhor no trabalho e nossa parceria é uma delícia.
Nem vou falar muito, melhor é ler. Talvez nem fique assim, porque ainda pode mudar. Mas deu vontade de já publicar coisa nova.
DE CHOCOLATE
CENA ÚNICA – INT/DIA – COPA/COZINHA
HOMEM e MULHER estão sentados em uma mesa, sobre a qual há um grande bolo de chocolate, intocado. A mesa está posta, mas eles aparentemente não estão com fome.
De um lado da mesa, também há várias peças, parafusos e ferramentas, do outro, vários frascos de esmalte quase idênticos.
Ela pinta as unhas do pé com esmalte vermelho. Ele conserta um rádio-relógio.
Ficam um tempo em silêncio. Ela cheira o bolo de chocolate.
MULHER
Vai estragar
HOMEM
Acho que já tá estragado
MULHER
Já tem mais de uma semana
HOMEM
Tá estragado, mas tem jeito
MULHER
Quando azeda, já não dá mais.
Ele acha estranho o comentário, mas segue fazendo o que fazia
HOMEM
Estou tentando arrumar.
MULHER
Bom, era seu mesmo...
Ele começa a fazer uma sujeira enquanto conserta, deixa cair tudo na mesa. Ela coloca também o outro pé sobre ela, e começa a olhar para o esmalte nos dedos. Estão aparentemente iguais. Pega dois frascos e compara a cor.
HOMEM
Eu prefiro quente
MULHER
Todos os tons são quentes
HOMEM
O bolo de chocolate
Ele levanta-se, pega um prato, corta um pedaço do bolo e coloca no microondas. Ela pega, com os dedos, um pouco da cobertura e leva à boca.
HOMEM
Ainda tem jeito?
MULHER
Ainda não estragou.
HOMEM
E o gosto, ainda é bom?
MULHER
Eu acho.
Ele vai até ela. Toca seu ombro. Ela pega a mão dele e passa na cobertura do bolo .
HOMEM
Tá suja!
MULHER
Não me incomoda.
HOMEM
Tá fria.
MULHER
Também é bom.
Ele vai em direção à pia e lava as mãos. Ela pega dois frascos de esmalte e vai até perto dele. Coloca os dois frascos contra a luz.
MULHER
Qual você prefere?
HOMEM
Assim não dá pra ver.
Ele volta à mesa, recomeça a consertar o rádio-relógio. Ela vai em direção ao forno de microondas, fica olhando pra ele. O forno reflete a janela e parte do seu rosto. Ela pinta um canto da boca com uma cor, outro canto com outra. Volta à mesa, olhando para o HOMEM.
MULHER
Qual você prefere?
HOMEM
Não faz isso!
MULHER
Te incomoda?
HOMEM
Estraga a pele
MULHER
Te incomoda?
HOMEM
Olha, vai estragar.
Ela retira o bolo do microondas.
MULHER
Não tá estragado.
HOMEM
Passou do ponto.
MULHER
Não me incomoda.
Ela limpa os cantos da boca, parte um pedaço do bolo e come. Ele segue parafusando o rádio.
MULHER
Te incomoda tanto assim?
Ele continua olhando pro rádio, aparentemente concentrado. Ela pega a acetona e começa, violentamente, a tirar o esmalte de um dos pés.
MULHER
Eu não sei por que fazem cores tão parecidas. Deviam fazer só as óbvias: vermelho, azul, verde, chocolate. Mas não. Tem trinta e sete tons de vermelho. E eu fico com essa necessidade dilacerante de decidir entre as trinta e sete coisas praticamente iguais! Praticamente iguais. Praticamente iguais.
Ele levanta os olhos do rádio relógio. Olha pros frascos praticamente iguais sobre a mesa, entre eles, um no tom chocolate.
Ele pega o frasco, vai até ela, pinta uma de suas unhas da mão.
HOMEM
Gostou do chocolate?
MULHER
Passou do ponto. Tá estragado.
Ela joga o bolo no lixo. Ele volta a desparafusar o rádio-relógio. Ela respira fundo, senta-se à mesa, pega um dos frascos vermelhos e começa a pintar as unhas dos pés.
Ficam um tempo em silêncio. Ela cheira o bolo de chocolate.
MULHER
É uma pena. Vai estragar.
A cena segue igual, em looping.
FIM
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
descobrimentos
tenho descoberto coisas impensáveis sobre o que sou, e o que pensava ser.
percebi que o que eu achava ser paciência era uma profunda indisposição pra brigas. Preguiça mesmo.
agora, sei lá por que, se pelos acontecimentos, se pela gravidez, se pela lucidez, se pelo espírito santo, se por estar fazendo coisas enormes que exigem disposição pra luta, percebi uma enoooooorme impaciência. intolerância quase. muita raiva tb. nossa.
nenhum problema nisso. aliás, sinto-me livre de uma capa inútil. uma auto-imagem inútil e falsa. A falsa boa.
sei lá quem sou de verdade. mas nada a ver com o que eu era. ou pensava ser.
percebi que o que eu achava ser paciência era uma profunda indisposição pra brigas. Preguiça mesmo.
agora, sei lá por que, se pelos acontecimentos, se pela gravidez, se pela lucidez, se pelo espírito santo, se por estar fazendo coisas enormes que exigem disposição pra luta, percebi uma enoooooorme impaciência. intolerância quase. muita raiva tb. nossa.
nenhum problema nisso. aliás, sinto-me livre de uma capa inútil. uma auto-imagem inútil e falsa. A falsa boa.
sei lá quem sou de verdade. mas nada a ver com o que eu era. ou pensava ser.
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Se há um momento de instabilidade, é esse.
Acho que nunca passei por tanta coisa junta.
Obra, Marcha Mundial, trabalhos de autoconhecimento, maternidade, gravidez, trabalho, e todas as tensões provenientes de tudo isso. Várias situações me colocando na berlinda, no limite, a maternidade me dando eixo para não sucumbir à auto-piedade. Sim, sempre se pode agüentar mais um pouco.
Tenho tomado contato com sentimentos raros. Muita raiva, por exemplo. Ou talvez ela nunca tenha mostrado seu rosto de forma tão clara. Muita luz também. Muitos presentes da vida, mas nada, nada, sendo fácil. Tudo mais difícil que esperávamos na visão romântica, presentes que jamais esperávamos aparecendo do nada. Um presente, um desafio, um presente, um desafio, uma crise de choro, um dia esplêndido de autoconsciência, outra crise de raiva, um dia de luz. Sinto, sinceramente, que estou perdendo algumas referências do que penso ser, não dá tempo de sentar. Nem de descansar. Nem de voltar a ser o que era. O cansaço é muito, mas as situações exigem atenção constante, intenção constante, cuidado constante, e não param.
Tem sido assim pra mim, pro Dja, pro Pedro (e talvez pro Gabriel)
Ou seja, a gente tem que se amparar, um não consegue se escorar no outro. Não dá pra ninguém ser tadinho.
Tenho me irritado com coisas simples, tenho me emocionado com coisas simples. Hoje, o Pedro tentava cantar a música que ouvia no carro. Foi uma cena tão singela, tão linda, e nada romântica, no meio de tanta fúria, de tanto tsunami, era ali, naquele carro sujo da obra, nesse dia tão peculiar de trânsito horrível, nesse dia em que o Dja matava mais um leão (ou enfrentava suas feras interiores), nesse dia em que eu só queria colo e era colo de três – nesse dia, ele cantando no carro com a língua meio presa, me fez descongelar e perceber a delicadeza que existe em todas as coisas. Estou em contato com sentimentos tão intensos, tão viscerais, que esse momento de pluma pairou no ar por um instante, encheu meu coração de alegria, e no segundo seguinte estava de novo no turbilhão ainda lidando com essa emoção.
Tudo ao mesmo tempo, tudo agora. Nada trágico. Muita consciência de tudo, inclusive das armadilhas, das próprias compulsões, do desejo de fugir desesperadamente pra longe de que nem eu sei. Fico, fico, fico, chacoalho, desreferencio, me permito ser outras, me permito ser raiva, ódio, perdão. Me permito descer, e assim acredito nas luzes. Não são luzes românticas, luzes do “querer-ver”, mas as luzes que brotam da escuridão. Descendo, se sobe de verdade.
As verdades. Viver as verdades, sem maquiagens, sem preconceitos, fazer disso a meta, o propósito. Sentir orgulho pra poder se arrepender. Sentir que se sente sentimentos condenáveis. Querer fazer um muro de fuzilamento e no momento seguinte perceber a criança ferida por trás da metralhadora. Sentir a tristeza da frustração e mesmo assim ter que dar o próximo passo, até saber que essa tristeza é passageira. Sentir, sentir, sentir, errar, pedir desculpas, ver o mecanismo, tentar acertar, ter que ganhar dinheiro, ver o dinheiro ir embora mais rápido que se pode ganhar, daí ganhar um presente da vida, agradecer o presente, perceber um novo desafio, cuidar do filho, esquecer de cortar as unhas dele, esquecer a água no fogo, estar com a casa encaixotada há três meses, amar e ser amada, saber que há alguém do lado dividindo as aflições, dividindo o pior e o melhor de cada um, podendo falar disso sem medo de que o outro vai me abandonar pelo feio que às vezes sou, nem que vou abandonar o outro pelo feio que às vezes vejo, saber que a vida real é essa, valente, profunda, às vezes desmedida, e quando se chega nessa corrente só se pode pedir mais um pouco de ar até que se chegue na margem. E se possa ficar só um pouco, só um pouco, no sol.
Acho que nunca senti uma corrente de vida passando tão intensamente por mim, por dentro de mim, crescendo em mim, transbordando, e com tanta auto-consciência. Nunca passei tanto tempo sem pedir colo de mãe, até porque nesse momento é ela quem também precisa. A cada passo, a cada “não agüento” (como não, se a gente segue?) a cada nova surpresa, novas perplexidades. Cuidando da casa, das crias, do mundo, tentando, nisso tudo, entender de onde venho, tentando, nisso tudo, desacorrentar os personagens internos e conviver com cada um. Perder o medo da escuridão, encarnar de vez. Existir. Estou deixando de ser, ou passando a ser.
Agradeço. E é só.
Acho que nunca passei por tanta coisa junta.
Obra, Marcha Mundial, trabalhos de autoconhecimento, maternidade, gravidez, trabalho, e todas as tensões provenientes de tudo isso. Várias situações me colocando na berlinda, no limite, a maternidade me dando eixo para não sucumbir à auto-piedade. Sim, sempre se pode agüentar mais um pouco.
Tenho tomado contato com sentimentos raros. Muita raiva, por exemplo. Ou talvez ela nunca tenha mostrado seu rosto de forma tão clara. Muita luz também. Muitos presentes da vida, mas nada, nada, sendo fácil. Tudo mais difícil que esperávamos na visão romântica, presentes que jamais esperávamos aparecendo do nada. Um presente, um desafio, um presente, um desafio, uma crise de choro, um dia esplêndido de autoconsciência, outra crise de raiva, um dia de luz. Sinto, sinceramente, que estou perdendo algumas referências do que penso ser, não dá tempo de sentar. Nem de descansar. Nem de voltar a ser o que era. O cansaço é muito, mas as situações exigem atenção constante, intenção constante, cuidado constante, e não param.
Tem sido assim pra mim, pro Dja, pro Pedro (e talvez pro Gabriel)
Ou seja, a gente tem que se amparar, um não consegue se escorar no outro. Não dá pra ninguém ser tadinho.
Tenho me irritado com coisas simples, tenho me emocionado com coisas simples. Hoje, o Pedro tentava cantar a música que ouvia no carro. Foi uma cena tão singela, tão linda, e nada romântica, no meio de tanta fúria, de tanto tsunami, era ali, naquele carro sujo da obra, nesse dia tão peculiar de trânsito horrível, nesse dia em que o Dja matava mais um leão (ou enfrentava suas feras interiores), nesse dia em que eu só queria colo e era colo de três – nesse dia, ele cantando no carro com a língua meio presa, me fez descongelar e perceber a delicadeza que existe em todas as coisas. Estou em contato com sentimentos tão intensos, tão viscerais, que esse momento de pluma pairou no ar por um instante, encheu meu coração de alegria, e no segundo seguinte estava de novo no turbilhão ainda lidando com essa emoção.
Tudo ao mesmo tempo, tudo agora. Nada trágico. Muita consciência de tudo, inclusive das armadilhas, das próprias compulsões, do desejo de fugir desesperadamente pra longe de que nem eu sei. Fico, fico, fico, chacoalho, desreferencio, me permito ser outras, me permito ser raiva, ódio, perdão. Me permito descer, e assim acredito nas luzes. Não são luzes românticas, luzes do “querer-ver”, mas as luzes que brotam da escuridão. Descendo, se sobe de verdade.
As verdades. Viver as verdades, sem maquiagens, sem preconceitos, fazer disso a meta, o propósito. Sentir orgulho pra poder se arrepender. Sentir que se sente sentimentos condenáveis. Querer fazer um muro de fuzilamento e no momento seguinte perceber a criança ferida por trás da metralhadora. Sentir a tristeza da frustração e mesmo assim ter que dar o próximo passo, até saber que essa tristeza é passageira. Sentir, sentir, sentir, errar, pedir desculpas, ver o mecanismo, tentar acertar, ter que ganhar dinheiro, ver o dinheiro ir embora mais rápido que se pode ganhar, daí ganhar um presente da vida, agradecer o presente, perceber um novo desafio, cuidar do filho, esquecer de cortar as unhas dele, esquecer a água no fogo, estar com a casa encaixotada há três meses, amar e ser amada, saber que há alguém do lado dividindo as aflições, dividindo o pior e o melhor de cada um, podendo falar disso sem medo de que o outro vai me abandonar pelo feio que às vezes sou, nem que vou abandonar o outro pelo feio que às vezes vejo, saber que a vida real é essa, valente, profunda, às vezes desmedida, e quando se chega nessa corrente só se pode pedir mais um pouco de ar até que se chegue na margem. E se possa ficar só um pouco, só um pouco, no sol.
Acho que nunca senti uma corrente de vida passando tão intensamente por mim, por dentro de mim, crescendo em mim, transbordando, e com tanta auto-consciência. Nunca passei tanto tempo sem pedir colo de mãe, até porque nesse momento é ela quem também precisa. A cada passo, a cada “não agüento” (como não, se a gente segue?) a cada nova surpresa, novas perplexidades. Cuidando da casa, das crias, do mundo, tentando, nisso tudo, entender de onde venho, tentando, nisso tudo, desacorrentar os personagens internos e conviver com cada um. Perder o medo da escuridão, encarnar de vez. Existir. Estou deixando de ser, ou passando a ser.
Agradeço. E é só.
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